Humanos passam a vida toda tentando se encaixar
em padrões pra no fim perceberem que na realidade o belo é serem eles mesmos da
forma mais crua possível.
Eu lembro que quando era pequena queria sorrir
igual a Luana Piovani, porque pra mim era lindo, eu forçava com duas bolinhas
de ar por dentro da boca e certamente parecia ridícula aos olhos de quem me via
fazer isso, mas eu tinha 6 anos, ridículo não existia. Eu gostava de ser
estranha e observar absolutamente tudo o que faziam na sala de aula (sempre
pegava alguém tirando tatu do nariz achando que ninguém estava vendo, mas eu era “ninguém”).
Eu era meio invisivel e esse observar me era interessante, conseguia ver a essência
das pessoas de certo modo, gostava de medir e comparar tudo. Tinha uma colega
na quinta serie que era a diva da turma, certo dia eu me peguei medindo o tórax
dela no ar porque achava um tamanho simétrico legal e queria ver a diferença dele
pros outros e pro meu (que devia ser o dobro). Nessa epoca eu nao tinha vaidade
amadurecida, eu usava bermuda e camisetão, era a crianca gordinha que já tinha
peitos justamente por ser gordinha e tinha vergonha de expor meu corpo. Mas eu
aprendi a usar aquilo que gostava, aquilo que me fazia sentir bem, na realidade
o que eu tinha era uma filhote de vaidade. Comecei a usar uns batons de cores
nada óbvias junto com uma das minhas melhores amigas, achava lindo, eram únicos,
ninguém tinha igual e a gente se trocava. E uma ia de grafite, a outra de azul,
depois preto e verde. Óbviamente os mais velhos não entendiam a mágica, mas
achavam interessante de uma forma curiosa e respeitosa. Que bom que naquela época
ainda existia educação.
Então eu tive que trocar de colégio. Mas qual a
relação? Calma, eu estava aprendendo a me ser e no meio de muita gente
mesquinha nesse novo colégio eu sufoquei o meu ser de certo modo, pois pra eles
o meu ser era ridículo e isso me afetava diretamente (embora no dia seguinte
sempre me copiassem). Sofri muito nessa época, mas conheci bastante dos meus
amigos livros e isso ampliou demais meus horizontes, porque eu ficava longe de
toda aquela banalização do ser. Não a toa, meu estilo ficou meio afetado nessa época,
meio “deseuzado”, porque era legal usar Rip Curl e Reef, apesar de não combinar
comigo eu ainda dava um jeito de adaptar no meu eu sufocado de ser. Até que
isso não durou muito, felizmente.
Mais uma roda girou e eu fui entrando naquela
fase gótica de odiar o mundo, as pessoas e o preto era meu pastor: jeans
rasgado e uma maquiagem de panda, o sobretudo nunca deixava de me acompanhar
faça calor, frio, chuva sol (pois também escondia um bocado das minhas
gorduras). Aí eu evoluí pra uma coisa mais agressiva, demonstrando todo aquele
ódio pelos humanos, com spikes, pregos nos meus acessórios, rebites, black
metal e esse lado negro da força. Algumas pessoas se benziam ao passar por mim,
eu ria e seguia com os meus 20 kgs de acessórios perigosos.
Depois troquei de novo de colégio já com meu
estilo bem definido e uma bandana na cabeça. As pessoas já me conheceram assim,
então não foi choque pra ninguém, os livros continuaram do meu lado e eu
finalmente conheci mais pessoas sem preconceito exacerbado que me aceitavam
como eu era. Essa fase durou bastante tempo. Eu gostava de maquiar olheiras porque
eu não tinha mas achava bonito. Eu usava o moletom mais largo de todos primeiro
pra disfarçar minha gordura, depois que emagreci pros meninos não ficarem me
olhando. Quem me via fora do colégio levava um susto por eu parecer muito mais
feia lá dentro, talvez propositalmente. Essa barreira pra não ser a pop da
escola me deixava bem.
Depois de toda essa fase negra eu fui
introduzindo as cores, essas que me definem tão bem. Perdi o medo de misturar
estampa, cor. Eu misturava tudo que eu queria e gostava junto, e me fazia feliz,
me FAZ feliz, pois sou eu. Bom, no início eu ainda procurava inspirações em
gente que eu admirava pra tentar me parecer um tanto. Aí, eu descobri que alguém
gostava de mim pelo que eu era e não pelo que eu era dos outros e a partir de
então comecei a ser mais eu do que nunca e esse meu euezificar me fez muito
mais livre e feliz.
Esses dias eu ouvi que moda é inútil, aliás não
é a primeira vez que eu ouço isso. Eu sinto um pouco de pena de quem pensa
isso, pois posso ver o quão superficial é o pensamento de tais pessoas. Você pode
saber exatamente quem uma pessoa é e o quão original ela é pelo modo como ela
se veste, e isso é o mínimo.
Como vocês podem ver eu continuo observando
tudo, de repente foi por isso que me deram esses olhos tão grandes.
Agora se me dão licença eu vou ali observar mais
um pouco da janela do meu quarto, porque essa brisa está querendo conversar
coisas em particular que eu não posso contar agora, senão ela leva embora.