domingo, 28 de setembro de 2014

Euezificação

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Humanos passam a vida toda tentando se encaixar em padrões pra no fim perceberem que na realidade o belo é serem eles mesmos da forma mais crua possível.
Eu lembro que quando era pequena queria sorrir igual a Luana Piovani, porque pra mim era lindo, eu forçava com duas bolinhas de ar por dentro da boca e certamente parecia ridícula aos olhos de quem me via fazer isso, mas eu tinha 6 anos, ridículo não existia. Eu gostava de ser estranha e observar absolutamente tudo o que faziam na sala de aula (sempre pegava alguém tirando tatu do nariz achando que ninguém estava vendo, mas eu era “ninguém”). Eu era meio invisivel e esse observar me era interessante, conseguia ver a essência das pessoas de certo modo, gostava de medir e comparar tudo. Tinha uma colega na quinta serie que era a diva da turma, certo dia eu me peguei medindo o tórax dela no ar porque achava um tamanho simétrico legal e queria ver a diferença dele pros outros e pro meu (que devia ser o dobro). Nessa epoca eu nao tinha vaidade amadurecida, eu usava bermuda e camisetão, era a crianca gordinha que já tinha peitos justamente por ser gordinha e tinha vergonha de expor meu corpo. Mas eu aprendi a usar aquilo que gostava, aquilo que me fazia sentir bem, na realidade o que eu tinha era uma filhote de vaidade. Comecei a usar uns batons de cores nada óbvias junto com uma das minhas melhores amigas, achava lindo, eram únicos, ninguém tinha igual e a gente se trocava. E uma ia de grafite, a outra de azul, depois preto e verde. Óbviamente os mais velhos não entendiam a mágica, mas achavam interessante de uma forma curiosa e respeitosa. Que bom que naquela época ainda existia educação.
Então eu tive que trocar de colégio. Mas qual a relação? Calma, eu estava aprendendo a me ser e no meio de muita gente mesquinha nesse novo colégio eu sufoquei o meu ser de certo modo, pois pra eles o meu ser era ridículo e isso me afetava diretamente (embora no dia seguinte sempre me copiassem). Sofri muito nessa época, mas conheci bastante dos meus amigos livros e isso ampliou demais meus horizontes, porque eu ficava longe de toda aquela banalização do ser. Não a toa, meu estilo ficou meio afetado nessa época, meio “deseuzado”, porque era legal usar Rip Curl e Reef, apesar de não combinar comigo eu ainda dava um jeito de adaptar no meu eu sufocado de ser. Até que isso não durou muito, felizmente.
Mais uma roda girou e eu fui entrando naquela fase gótica de odiar o mundo, as pessoas e o preto era meu pastor: jeans rasgado e uma maquiagem de panda, o sobretudo nunca deixava de me acompanhar faça calor, frio, chuva sol (pois também escondia um bocado das minhas gorduras). Aí eu evoluí pra uma coisa mais agressiva, demonstrando todo aquele ódio pelos humanos, com spikes, pregos nos meus acessórios, rebites, black metal e esse lado negro da força. Algumas pessoas se benziam ao passar por mim, eu ria e seguia com os meus 20 kgs de acessórios perigosos.
Depois troquei de novo de colégio já com meu estilo bem definido e uma bandana na cabeça. As pessoas já me conheceram assim, então não foi choque pra ninguém, os livros continuaram do meu lado e eu finalmente conheci mais pessoas sem preconceito exacerbado que me aceitavam como eu era. Essa fase durou bastante tempo. Eu gostava de maquiar olheiras porque eu não tinha mas achava bonito. Eu usava o moletom mais largo de todos primeiro pra disfarçar minha gordura, depois que emagreci pros meninos não ficarem me olhando. Quem me via fora do colégio levava um susto por eu parecer muito mais feia lá dentro, talvez propositalmente. Essa barreira pra não ser a pop da escola me deixava bem.
Depois de toda essa fase negra eu fui introduzindo as cores, essas que me definem tão bem. Perdi o medo de misturar estampa, cor. Eu misturava tudo que eu queria e gostava junto, e me fazia feliz, me FAZ feliz, pois sou eu. Bom, no início eu ainda procurava inspirações em gente que eu admirava pra tentar me parecer um tanto. Aí, eu descobri que alguém gostava de mim pelo que eu era e não pelo que eu era dos outros e a partir de então comecei a ser mais eu do que nunca e esse meu euezificar me fez muito mais livre e feliz.
Esses dias eu ouvi que moda é inútil, aliás não é a primeira vez que eu ouço isso. Eu sinto um pouco de pena de quem pensa isso, pois posso ver o quão superficial é o pensamento de tais pessoas. Você pode saber exatamente quem uma pessoa é e o quão original ela é pelo modo como ela se veste, e isso é o mínimo.
Como vocês podem ver eu continuo observando tudo, de repente foi por isso que me deram esses olhos tão grandes.


Agora se me dão licença eu vou ali observar mais um pouco da janela do meu quarto, porque essa brisa está querendo conversar coisas em particular que eu não posso contar agora, senão ela leva embora.